Por que falar de Gênero e Corpo nas Relações Internacionais?

Texto de Enndiel Mendes

Comparada com outras áreas das Ciências Humanas, as discussões teóricas e metodológicas feministas e de gênero chegaram de forma tardia nas Relações Internacionais (RI). No Brasil, as referências possíveis traduzidas e uma produção de trabalhos nacionais nesse campo foram se intensificar nos anos 2000, o que veio colaborar na ampliação de textos acadêmicos com ênfase no debate teórico acerca do conceito de Gênero e Corpo.

Segundo Sanahuja (2018)1, as teorias feministas vieram colocar novas questões em debate nas RI, para além do que vinha sendo discutido pelo paradigma realista, transnacionalista ou globalista e estruturalista. De acordo com o autor, a inserção das teorias feministas possibilitou à disciplina, ressaltar a relevância da natureza histórica, do contingencial e contextual para além da realidade social intersubjetiva.

Sanahuja (2018) expõe, que nesse processo de recuperação da historicidade pelas feministas das RI, com críticas ao colonialismo do saber e poder, fez-se emergir novos autores e autoras, agências e resistências que estavam empurrados para às margens e para a subalternidade. Daí, a necessidade das teóricas em priorizar a defesa local, do diverso, do particular como representações de resistências.

Nesse sentido, como uma acadêmica feminista, discente de pós-graduação do PPGCS – UNESP/Marília – Linha 2 (Cultura Identidade e Memória) e integrante do LIEG (Laboratório Interdiciplinar de Estudos de Gênero), gostaria de deixar algumas reflexões que pudessem contribuir para o futuro das Relações Internacionais, uma vez que observei essa lacuna no desenvolvimento da temática na minha área de formação. Mesmo nesse milênio não são muitos cursos2 de RI que oferecem na Graduação uma disciplina de Gênero, ou até mesmo nos cursos de Pós-graduação que ofereçam linhas de pesquisa específicas do tema.

Conclui em 2021 meu Bacharelado em Relações internacionais pela Universidade Federal de Sergipe com o meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) intitulado “Gênero e Corpo: Repensando as Relações Internacionais”. Esse trabalho buscou ressaltar o processo de inserção das discussões feministas e de gênero na área de Relações Internacionais, abordado pelas RI norte-americana e europeia. Destacou-se que foram os esforços de muitas feministas, principalmente da década de 1980, que compartilhavam o compromisso pós-positivista de examinar a relação entre conhecimento e poder, que levaram a reformular as explicações racionalistas generalizadas das teorias convencionais das RI e buscaram a inserção do debate de gênero (TICKNER; SJOBERG, 2013).3

Essas pioneiras desse movimento ainda hoje possuem um papel relevante no campo, pois seus trabalhos compõem as bases da Teoria Feminista das Relações Internacionais. São esses: “Women and War” de Jean Bethke Elshtain (1987); “Bananas, Beaches and Bases: Making Feminist Sense of International Relations” de Cynthia Enloe (1989); e o célebre trabalho de Judith Ann Tickner (1992), “Gender in International Relations: Feminist Perspectives on Achieving Global Security”.

Mulheres em manifestação na capital da Espanha – Daniel Gonzalez (GTRES/EL PAÍS)

Na minha pesquisa de mestrado (2022-2024) tomei o conceito de “corpo” como uma discussão ainda mais recente que o de Gênero. Pesquisas que versam sobre a temática são contribuições de autoras(es) mais reconhecidos em outras áreas das Ciências Humanas, como Antropologia, História, Sociologia, Ciências Sociais, Filosofia etc. Podemos destacar alguns nomes como Michael Foucault, Jacques Lacan, Judith Butler, Nancy Fraser, Seyla Benhabib, Joan Scott, Simone de Beauvoir, entre outros. Tanto na Graduação como na Pós-graduação, optei pela escolha de autoras(res), cuja potência das perspectivas levantadas foi levar em consideração o “corpo e o gênero” situados através da capacidade de ação política, das relações sociais que os compõem e que ocorrem de modo intersubjetivo por dimensões históricas, geopolíticas, étnicas, classistas e sexuais (MENDES, 2021)4.

No meu TCC, foram destacadas as produções das autoras Lauren Wilcox (2014)5, Judith Butler (2019)6 e Silvia Federici (2017)7, além de outras referências que discorrem acerca das concepções de gênero e corporificação e demonstram a importância dessas categorias como centrais para os estudos das RI. A análise de uma abordagem estética para o estudo do Internacional, também despertou a minha motivação, combinadas com reflexões sobre Corpo e Gênero. A concepção de Estética de Roland Bleiker (2009)8 veio orientar a pesquisa por possuir enorme potencial explicativo acerca dos fenômenos políticos e as percepções sensíveis, que se apresentam como inovadoras para ampliar o alcance da área das Relações Internacionais.

Sendo assim, meu trabalho acadêmico, pode ser retomado, sem qualquer rotulação epistemológica, para repensar o campo das Relações Internacionais, ampliando as abordagens e metodologias de análise e colaborar na expansão de suas bases ontológicas. Vale ressaltar, que esses estudos recentes vieram alterar a minha práxis política, meu olhar enquanto mulher, pesquisadora brasileira e internacionalista.


[1] SANAHUJA, José Antonio. “REFLEXIVIDAD, EMANCIPACIÓN y UNIVERSALISMO: CARTOGRAFÍAS DE LA TEORÍA DE LAS RELACIONES INTERNACIONALES”. Revista Española de Derecho Internacional, vol. 70, no. 2, 2018, pp. 101–26. Disponível em: < http://www.jstor.org/stable/26486615>. Acesso em: 16 jun. 2023.

[2] O Instituto de Relações Internacionais da Universidade Estadual de São Paulo (IRI-USP), oferta desde 2017 uma disciplina optativa ministrada pela professora Drª Janina Onuki (mais informações estão disponíveis em: https://uspdigital.usp.br/jupiterweb/obterDisciplina?sgldis=BRI0071&verdis=1). Na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP, Campus Franca, a professora Drª Suzeley Kalil Mathias oferta uma disciplina optativa de Gênero e Segurança (mais informações disponíveis em: https://www.franca.unesp.br/#!/departamentos/relacoes-internacionais/corpo-docente/suzelei/). Essas informações foram coletadas de forma superficial, então outras universidades podem estar ofertando disciplinas sobre o tema. Portanto, pretendo desenvolver uma pesquisa posterior, mapeando o debate de gênero nos cursos de RI das universidades brasileiras.

[3] Judith Ann Tickner é uma autora das Relações Internacionais formada em história pela University of London (1959), com mestrado em Relações Internacionais (RI), Yale University (1960), e PhD em Ciência Política pela Brandeis University (1983). Laura Sjoberg é doutora em Filosofia, Relações Internacionais e estudos de gênero pela University of Southern California. É professora de Política Global e Relações Internacionais da British Academy na Royal Holloway University de Londres e chefe do Departamento de Política, Relações Internacionais e Filosofia. TICKNER, J. Ann; SJOBERG, Laura. Feminism. In: DUNNE, Tim; KURKI, Milja; SMITH, Steve (ed.). International Relations Theories: discipline and diversity. 3. ed. United Kingdom: Oxford University Press, 2013. p. 1-359.

[4] Mendes, Enndiel dos Santos. Gênero e corpo: repensando as relações internacionais. São Cristóvão, 2021. Monografia (graduação em Relações Internacionais) – Departamento de Relações Internacionais, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE, 2021. Disponível em: https://ri.ufs.br/jspui/handle/riufs/17436.

[5] WILCOX, Lauren B. Bodies of violence: theorizing embodied subjects in international relations. New York: Oxford University Press, 252 pp. 2014.

[6] BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 287 pp. 2019.

[7] FEDERICI, Silvia. Calibã e a bruxa: Mulheres, corpo e acumulação primitiva. São Paulo: Editora Elefante, 2017.

[8] BLEIKER, Roland. Aesthetics and World Politics. 1. ed. England: Palgrave Macmillan, 2009.

“A luta feminista no espaço acadêmico: pesquisas qualitativas, diagnósticos e novos saberes” – presença da professora Flor de María Solís

Cartaz de divulgação da atividade

O Laboratório Interdisciplinar de Estudos de Gênero/LIEG vem desenvolvendo ao longo do primeiro semestre de 2023 a atividade extensionista “A luta feminista no espaço acadêmico: pesquisas qualitativas, diagnósticos e novos saberes” em parceria com o GT Gênero/ANPUH São Paulo, IPPMar e universidades convidadas. Já tivemos a presença de:

  • Professora Lídia Possas (UNESP-FFC), coordenadora do Laboratório, apresentando a proposta da atividade, no dia 20 de abril de 2023;
  • Professora Simone Capellini (UNESP-FFC), discutindo “Pesquisa e comissão de ética na área das humanidades”, no dia 4 de maio de 2023;
  • Professor Thiago Ávila (UniCEUB), que nos apresentou seu artigo “O desenvolvimento da criminologia feminista no Brasil” no dia 18 de maio de 2023;
  • Professora Emília Barbosa (University of Science and Technology – Missouri/USA), que nos dias 1 e 8 de maio nos trouxe a discussão sobre o livro The Feminist Killjoy, novo livro da autora Sara Ahmed.

Na última quinta-feira, dia 15 de junho, tivemos a presença da professora Flor de María Gamboa Solís, professora e pesquisadora na Faculdade de Psicologia da Universidade Michoacana de San Nicolás de Hidalgo, no México, onde é também coordenadora da Red de Enlaces Académicos de Género. Desenvolve um trabalho investigativo a partir da articulação do feminismo e da psicanálise para documentar, estudar e teorizar os processos de produção e reprodução das desigualdades que se originam na diferença sexual. A professora Solís está particularmente interessada na questão da violência de gênero, bem como na investigação das formas discursivas que modelam negativamente a sexualidade feminina e reproduzem estereótipos de gênero em espaços públicos e privados.

Na atividade, fizemos a discussão do seu artigo “Acoso sexual em la Universidad: de protocolos y protocolos”, que apresenta uma reflexão feminista sobre assédio sexual nas universidades, com base na análise da aplicação do Protocolo contra a violência de gênero na Universidade Michoacana de San Nicolás de Hidalgo (2017), para mostrar que os protocolos só podem servir às autoridades universitárias como “rótulos” de responsabilidade social e moralidade, podendo até ser encarados como um desafio para os agressores e não como proteção para as pessoas afetadas.

A presença da professora Flor de Maria Solís fortalece dois dos compromissos fundamentais do Laboratório Interdisciplinar de Estudos de gênero/LIEG: a interdisciplinaridade e também a criação de parcerias internacionais. Como coloca nossa coordenadora, Lídia Possas, o diálogo transnacional fortalece o enfrentamento da violência de gênero na universidade, assumindo uma política educacional e pedagógica que toma corpo e propõe ações e medidas de prevenção, enfrentamento e acolhimento frente à todas as formas de violência. É responsabilidade nossa acreditar, investir para erradicar.

Segue abaixo uma galeria de fotos do encontro:

Participação do LIEG no congresso da LASA 2023

O Laboratório Interdisciplinar de Estudos de Gênero LIEG/UNESP participou do Congresso da LASA 2023 (Latin American Studies Association), com o tema “América Latina y el Caribe: Pensar, representar y Luchar por los Derechos da LASA”, realizado entre os dias 23 e 27 de maio, em Vancouver, no Canadá, de forma híbrida. A proposta para a nossa participação foi através de um painel com a temática: “Ativismos Estudantis na UNESP-MARÍLIA: Queixa e Escuta como Pedagogia Feminista”, com as seguintes participações:

  • Beatriz Jorge Barreto, graduada em Ciências Sociais pela UNESP/FFC com o  trabalho “Escuta feminista e a revelação de violências invisíveis: análise dos movimentos estudantis na UNESP/Marília”;
  •  Beatriz Labadessa de Oliveira e Bruna Silva Oliveira, graduandas em Ciências Sociais pela mesma universidade, com os trabalhos intitulados, respectivamente, “Enfrentar o assédio, a presença da diversidade no espaço acadêmico: reclamar, captar histórias a partir de uma pedagogia feminista” e “Enfrentamento de Violência de Gênero na Universidade: situações de assédio e parcerias necessárias para além das fronteiras”;
  • Maria Inês Godinho, Dra. em Ciências Sociais pela UNESP como chair e session organizer com o trabalho “Ativismo ‘estraga-prazeres’ nas plataformas digitais: os coletivos universitários contra o racismo e a violência de gênero – USP/UNESP e UNICAMP”.

 O painel foi mediado pela Coordª.do LIEG/UNESP, Prof.ª Lidia Possas, membro da Gender and Feminism Sections da LASA.

A participação no evento fortaleceu nossa inserção transnacional, possibilitando ampliar espaços de diálogo com as universidades e pesquisadoras parceiras, além da divulgação das nossas pesquisas.

Agradecemos à LASA, especialmente a Gender and Feminism Sections pelo convite e a possibilidade de participação no congresso às Profª. Maria Emília Barbosa/Missouri University e a Profª. Castriela Hernández Reyes /University Massachusetts-Amherst.

Segue abaixo fotos do evento e do nosso painel.

Abertas as inscrições para atividade extensionista do LIEG – 1° semestre de 2023

Convidamos a todos, todas e todes a participar da atividade extensionista A luta feminista no espaço acadêmico: pesquisas qualitativas, diagnósticos e novos saberes” do Laboratório Interdisciplinar de Estudos de Gênero (LIEG/UNESP-Marília), nesse primeiro semestre de 2023, em parceria com  Instituto de Políticas Públicas de Marília (IPPMar) e do GT-Gênero (Anpuh-SP).

Laboratório Interdisciplinar de Estudos de Gênero/LIEG/UNESP,  nesse 1º Semestre de 2023, propõe prosseguir na luta feminista dos estudos de gênero  que venham  ampliar as  discussões teóricas, explorando as dinâmicas da(s) existência(s) em relação ao enfrentamento da violência de gênero, do racismo, da LGBTQIA+fobia e  pontuando as formas e situações de “assédio” que emergem nas instituições de Ensino Superior, principalmente na América latina. Nos empenhamos em construir espaço de diálogo permanente com pesquisadoras(es) visando estabelecer parcerias que se preocupem em conhecer as práticas e avanços jurídicos recentes, as demandas de minorias sociais – que hoje correspondem à maioria numérica nas universidades – os movimentos sociais e de mulheres para compreender como e por que as formas de violência de gênero, de segregação e preconceitos são permanências em nossas instituições e na academia.
Temos como objetivo compartilhar com as/os participantes as questões relacionadas às temáticas apontadas e discutir  a  produção de conhecimento no campo dos estudos de gênero e da oralidade que vem se adensando  em uma perspectiva interdisciplinar e interseccional com  áreas afins.

Este é o formulário de inscrição para quem desejar participar das reuniões que ocorrerão no formato híbrido (GoogleMeet e Sala 5 do prédio novo da FFC), quinzenalmente, às quintas-feiras, das 14h30 às 17h. As atividades estão previstas para iniciarem no dia 20/04/2023 e acabarem no dia 27/07/2023.

Será emitido certificado para aqueles/as que comparecerem em pelo menos metade dos encontros (50% ou mais de presença), sendo  o total de 16 horas.

https://forms.gle/QWUQqdtgeDwH5gvJA

Dia Internacional da Mulher

Universidade em cena: na defesa da equidade de gênero junto às instituições!

Manifestação estudantil por uma educação não-sexista em Santiago, capital do Chile; no cartaz se lê: “A educação será feminista ou não será” – Nadia Martínez

“Uma das coisas que aprendi com o feminismo foi a suspeitar de tudo, dado que os paradigmas que são adotados em muitos âmbitos acadêmicos estão sustentados em visões e lógicas masculinas, classistas, racistas e sexistas.” (Ochy Curiel)

Em 1975, o dia 8 de março foi adotado pela ONU como Dia Internacional da Mulher, tendo como objetivo celebrar as conquistas sociais, econômicas e políticas das mulheres ao redor do mundo. Hoje, quase 50 anos depois, como podemos refletir sobre essas conquistas?

Quando pensamos em conquistas das mulheres, não podemos nos esquecer do papel crucial da educação. E hoje podemos dizer que a presença feminina no ensino superior foi alcançada: segundo o INEP, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, já em 2017 as mulheres predominavam em cursos superiores no Brasil, uma conquista que caminha junto com uma resistência de um espaço acadêmico historicamente masculino e patriarcal, movimento que revelou que conflitos existentes em todas as esferas da sociedade se repetem de forma sistêmica no interior das instituições de ensino, como assédio e violência de gênero.

De acordo com pesquisa do jornal Distintas Latitudes (2019), realizada em 100 universidades da América Latina, 60% dessas instituições de ensino superior carecem de políticas para lidar com denúncias de assédio sexual. O Laboratório Interdisciplinar de Estudos de Gênero /LIEG reconhece essas dificuldades das instituições e por isso tem se debruçado sobre o estudo de medidas de combate à violência de gênero e assédio sexual, que para o procurador regional do trabalho Raimundo Simão de Melo pode ser reconhecido como “o constrangimento com conotação sexual no ambiente de trabalho, em que, como regra, o agente utiliza sua posição hierárquica superior ou sua influência para obter o que deseja”.

A antropóloga Heloísa Buarque de Almeida, docente da USP, fala da existência de um currículo oculto na universidade: “numa universidade aberta à entrada das mulheres nas mais diferentes áreas acadêmicas e profissionais – e em que o número de mulheres tende a ultrapassar o de homens – uma espécie de currículo oculto é posto em ação. Trata-se de um mecanismo de manutenção e reprodução de hierarquias, num processo de naturalização do impulso e da predação sexual como atitudes normais – mesmo entre homens dos cursos mais elitizados do país. Numa certa medida, se expressa assim como as desigualdades de gênero se reproduzem entre as elites universitárias”.

A crescente visibilidade para esse assunto que anteriormente se mantinha entre as paredes da universidade criou uma mobilização interna e externa para mudanças de políticas institucionais e pedagógicas. Nós do LIEG reconhecemos ser necessário ampliar as pesquisas e refletir sobre as práticas existentes que sustentam os comportamentos abusivos, de modo a fundamentar a criação de políticas de prevenção, enfrentamento e sensibilização da comunidade acadêmica como um todo (docentes, estudantes e funcionários), fornecendo subsídios e conteúdo para ações pedagógicas visando enfrentar a “mecânica institucional” descrita por Sara Ahmed em seu livro Complaint!, que impede a denúncia de caminhar em um sistema feito para travá-la.

Nesse sentido, a UNESP tem avançado, visando combater os trâmites institucionais que dificultam o enfrentamento do assédio e da violência de gênero no espaço acadêmico. Em 26 de julho de 2022 foi criada a Portaria nº 68, que “institui a Política Educativa de Enfrentamento ao assédio moral, assédio sexual, importunação sexual, formas de discriminações e preconceitos em relação à origem, cor, gênero, orientação sexual, religião ou crença, nível socioeconômico, condição corporal física ou psíquica no âmbito da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP”.

Essa portaria também levou à criação da Comissão Central de Acolhimento da Unesp, que pretende ser um centro de apoio e ajuda para pessoas vítimas de violências, que geralmente estão vulneráveis e em sofrimento, e começou a atuar em março desse ano, como noticiado no Portal da Unesp. Para a professora Claudia Maria de Lima, ouvidora geral da Unesp e atual presidente da comissão, as pessoas que necessitam de auxílio se encontram fragilizadas, e o papel dos integrantes da comissão é oferecer suporte para que as vítimas tenham ferramentas para lidar com a situação traumática vivenciada. Para Claudia, “a intenção é mostrar que existem alternativas dentro do contexto universitário, desde a remarcação de uma prova ou até a transferência de unidade estudantil. Por isso que o atendimento se baseia numa escuta e apontamento de encaminhamentos possíveis nos âmbitos social, acadêmico, de saúde e legal, que incluem a orientação sobre medidas protetivas, aspectos médicos em redes de apoio, assistência social e jurídica.”

Com medidas como essas,  entendemos ser possível  pensar na transformação da universidade em um espaço que não apenas abre suas portas às mulheres e demais minorias, mas sim que possibilita que essas mesmas pessoas permaneçam e prosperem nesse ambiente, sem que abusos, violências e silenciamentos impeçam que se estabeleça uma educação realmente libertadora, acolhedora e feminista.

 Palavras do LIEG em homenagem ao Dia Internacional da Mulher.

LIEG repudia atos golpistas em Brasília, do último domingo (08/01)

Na tarde do último domingo, a Praça dos Três Poderes foi invadida e os prédios do Congresso Nacional, do Palácio do Supremo Tribunal Federal e do Palácio do Planalto depredados e destruídos. O protagonismo dos atos foi dos seguidores e apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, os camisas verde e amarela. Estes, carregando cartazes com mensagens golpistas, Fake News e lemas integralistas pela defesa de Deus, Pátria e Família, forjaram um dos maiores ataques às instâncias democráticas na História do país.

O LIEG analisa que a ampliação dos discursos e atos da extrema direita e seu respectivo domínio nos espaços de poder e decisão políticas, representam hoje uma das maiores ameaças aos campos progressistas e às lutas feministas, antirracistas e anticapitalistas. A aniquilação dessas ideologias começa com a punição dos depredadores e encontra seu caminho na construção coletiva e educativa.

Compartilhamos aqui as imagens que eternizarão os atos e o sentimento de perda e lesão daqueles que assistiram, de longe, as atrocidades.

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Invasão e vandalismo no Planalto
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LIEG deseja boas festas e já pensa em 2023

Em 2022, as atividades do LIEG/UNESP ensejaram muitas parcerias e trocas entre pesquisadores do grupo e outras universidades, as quais permitiram um avanço no campo teórico e conceitual dos Estudos de Gênero dentro da temática da “Violência de Gênero nas Universidades brasileiras e latino-americanas”.

Para 2023, uma de nossas metas é ampliar a atuação do coletivo nos espaços da Faculdade de Filosofia e Ciências de Marília, com o intuito de nos aproximarmos dos/as/es estudantes dos cursos da graduação e pós-graduação da unidade. Dessa forma, será possível dialogar com a comunidade acadêmica, como um todo, e traçar novas estratégias de enfrentamento ao fenômeno da violência de gênero na Universidade.

Esperamos continuar criando nossas parcerias com a CAADI (Coordenadoria de Ações Afirmativas Diversidade e Equidade), o IPPMar (Instituto de Políticas Públicas de Marília) e o Grupo de Trabalho de Estudos de Gênero da Anpuh-SP, e outras mais.

O LIEG deseja Boas Festas e um ano de 2023 de Renovação, Avanços e Acolhimento. Até breve!

Relembrar é viver! LIEG recebe Letícia Nascimento, autora do livro “Transfeminismo”

Texto de Vitor Lages.

Na quarta-feira, dia 26/10/2022, às 14hrs, tivemos a honra de receber no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp de Marília, em parceria com o LIEG, a Professora Letícia Nascimento, autora do livro “Transfeminismo”. A obra foi publicada em 2021 pela editora Jandaíra e compõe a Coleção Feminismos Plurais, a qual é organizada pela filósofa e feminista negra Djamila Ribeiro.

Letícia Nascimento é mestre e doutoranda em Educação pela Universidade Federal do Piauí (UFPI) e professora da referida universidade. A partir de seu lugar de fala como mulher travesti, negra e gorda, nos instiga a pensar o feminismo para além da mulher cisgênera, heterossexual, branca, de classe média, magra e sem deficiências. Inicia sua obra com a famosa frase de Sojourner Truth, estadunidense negra que diante de uma plateia de mulheres brancas atônitas perguntou, em 1851: “E eu não posso ser uma mulher?”

Desta vez, com uma rica literatura do campo, Letícia busca abrir espaço no feminismo para sujeitas mulheres que, como ela, desafiam não só a branquitude mas a imposição da cisgeneridade como norma de compreensão do gênero conformada pelos órgãos genitais. Como a filósofa Judith Butler, apresenta um contraponto a teorias feministas que compreendem existir uma verdade biológica dos corpos – o sexo, o órgão sexual – e, a partir dessa verdade sexual, uma construção cultural e histórica sobre os papeis do sexo feminino e masculino na sociedade – o gênero. Ao contrário disso, o transfeminismo compreende o próprio sexo como uma dimensão discursiva, tal como o gênero. Ambos são construídos performativamente na cultura e na sociedade, existindo várias formas de mulheridades e de feminilidades que ultrapassam a barreira dos órgãos genitais considerados “de mulher”.

A estrutura machista que impõe o lugar subalterno de inferioridade social a todas as mulheres – cisgêneras, travestis, transexuais e não binárias –, em decorrência de suas diferentes feminilidades, precisa ser combatida através de uma frente ampla que considere suas diferentes interseccionalidades, e, consequentemente, as diferentes formas que a violência misógina as atravessa.

Mulheres travestis, transexuais e não binárias sempre estiveram no front de batalha, vítimas das mais perversas manifestações de machismo e transfobia em todos os âmbitos sociais, e hoje adentram às universidades e lutam para que seus olhares epistemológicos sejam também considerados dignos de estudo e defesa como integrantes da luta feminista tanto na academia quanto nos movimentos sociais. Esse é o brado coletivo de diversas precursoras da teoria transfeminista no Brasil, como Beatriz Bagagli, Bruna Benevides, Caia Coelho, Céu Cavalcanti, Hailey Kaas, Helena Vieira, Jaqueline Gomes de Jesus, Megg Rayara, Mariah Silva, Maria Clara Araújo, Sara Wagner, Yuna Vitória e de nossa convidada Letícia Nascimento. O papo com a autora foi muito instigante. Vale a pena conferir.

À direita: Vitor Lages.
Profa. Letícia Nascimento

Sétimo encontro da Atividade de Extensão Troca de Saberes e Vivências: “Violência de Gênero nas Universidades brasileiras e latino-americanas”

As atividades do segundo semestre de 2022 do Laboratório Interdisciplinar de Estudos de Gênero estão chegando ao fim! A nossa ação de extensão Troca de Saberes e Vivências: “Violência de Gênero nas Universidades brasileiras e latino-americanas” teve seu sétimo e penúltimo encontro no dia 16 de novembro com a presença do mestrando em Ciências Sociais na UNESP-Marília e pesquisador do LIEG, Vitor Lages.

O encontro foi mobilizado pela discussão do texto intitulado Violência sexual no ambiente universitário: análise a partir da experiência de uma audiência pública no distrito federal, de autoria do doutor em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Lisboa, Thiago Pierobom de Ávila. Segundo o autor, o objetivo do artigo é, inicialmente, apresentar algumas considerações sobre o assédio sexual no ambiente universitário, a partir de revisão bibliográfica. Em seguida, Ávila analisa os aspectos jurídicos relacionados ao dever de proteção pelo Estado do direito fundamental das mulheres à não discriminação no ambiente universitário e, por fim, realiza um olhar crítico diante da audiência pública quanto a sua efetividade na materialização do dever de prevenção da violência sexual pelas universidades.

A apresentação do Vitor trouxe elementos e conceitos teórico-metodológicos essenciais na investigação da ocorrência violência de gênero nas universidades, a partir dos aspectos jurídicos e sociais, os quais abarcam a temática. Posto isto, o posicionamento metodológico do autor compreende o contexto de violência contra mulheres nesses espaços como reflexo do funcionamento da estrutura das relações de gênero. De acordo com essa escolha, a perspectiva teórica feminista decolonial foi utilizada nesse trabalho, na medida em que considera importante analisar os efeitos e os mecanismos coloniais e masculinizados da relação de dominação.

A discussão no encontro conseguiu se afastar dos maniqueísmos presentes nas análises superficiais da condição subordinada de existência das mulheres nos espaços de ensino superior. Isso significa que, ao estabelecer uma investigação crítica da efetividade dos instrumentos jurídicos, Vitor e os pesquisadores do LIEG conseguiram analisar a complexidade das esferas estruturais do direito e promoverem estratégias reais para o enfrentamento da violência sexual nas universidades. Concluímos que os tipos jurídico-criminais, convenções e recomendações, as quais buscam tipificar, identificar e proteger as vítimas das violências de gênero, podem se transformar em instrumentos efetivos de luta e enfrentamento contra esse fenômeno mundial – ao recordarmos de colocar em prática a postura crítica diante do Direito, enquanto sistema de normas historicamente e estruturalmente machista, racista, branco e liberal.

À direita: Vitor Lages

Sexto encontro da Atividade de Extensão Troca de Saberes e Vivências: “Violência de Gênero nas Universidades brasileiras e latino-americanas”

As atividades do segundo semestre de 2022 do Laboratório Interdisciplinar de Estudos de Gênero continuam! A nossa ação de extensão Troca de Saberes e Vivências: “Violência de Gênero nas Universidades brasileiras e latino-americanas” teve seu sexto encontro no dia 10 de novembro com a presença da doutoranda em Ciências Sociais na UNESP-Marília e pesquisadora do LIEG, Juliana Adono da Silva.

 O texto apresentado e discutido, intitulado, ASSÉDIO SEXUAL NO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO: uma análise sociogendrada das emoções e das subjetividades na transferência entre alunas assediadas e professores assediadores, aborda a temática a partir de perspectivas críticas e politizadas dos afetos. No texto, prioriza-se analisar, ou mesmo trazer à luz, os aspectos psicológicos e subjetivos na investigação da violência de gênero e do assédio sexual nas universidades, fato que proporciona um olhar refinado e diversificado da problemática.

Posto isto, as autoras Valeska Zanello e Iara Flor Richwin, reflexionaram e definiram quais as manifestações de violência mais frequentes no campo universitário, as reações mais comuns das assediadas e as três formas de assédio sexual, segundo Hernandez e Barraza (2021): o assédio de gênero, representado pelos comportamentos ofensivos sexuais que se apresentam de forma verbal, física e simbólica, podendo ser hostis, ofensivos e misóginos; a atenção sexual não desejada, que pode abranger expressões românticas e até mesmo manifestações sexuais mais diretas, que podem ser intimidatórias ou ofensivas; e a coerção sexual, caracterizada por condutas sutis ou explícitas, nas quais se demanda uma troca sexual para se adquirir benefícios laborais.

Podemos afirmar que esse texto, e a discussão subsequente, foi inovador na medida em que realizar uma análise sociogendrada da problemática da violência de gênero nas universidades. Logo, mesmo dentro do campo da psicologia, os conceitos e preceitos sociológicos foram utilizados para compreender as questões gendradas/generificadas na estrutura das relações de gênero nesses espaços de ensino. Portanto, recomendamos a leitura a compreensão aprofundada dos fenômenos sociais generificados nos aspectos subjetivos e emocionais imbricados ao assédio sexual, como:  as relações de poder/hierarquia nas universidades; o mandato do patriarcado; “leis” simbólicas – “ignorância cultivada” e “não saber”; autoculpabilização pela violência; os “medos” sobre os “custos” da denúncia; cumplicidade institucional e do grupo com o assédio; satisfação narcísica de ser “eleita” ou “escolhida” e etc.

À direita: Juliana Adono da Silva
Cartaz de divulgação do encontro